A comissão UnB.Futuro realizou na última sexta-feira (12) a terceira Sessão Pública de 2015, com o historiador francês Christophe Charle. Com o tema “A crise das universidades no modelo neoliberal”, a conferência apresentou análises dos modelos de financiamento das universidades e as principais tendências de transformação do ensino superior internacional desde 1980.
À mesa com Charle, estiveram o reitor Ivan Camargo, o decano de pesquisa e pós-graduação Jaime Santana, os professores Carlos Benedito – do Instituto de Ciências Sociais – e Fernando Oliveira Paulino – da Faculdade de Comunicação – além do professor emérito Isaac Roitman.
Ao abrir a sessão, diante de um auditório lotado, o reitor Ivan Camargo frisou a importância do debate, tendo em vista o cenário atual das finanças da educação superior no Brasil. Recentemente, o governo federal anunciou um corte de 30% no orçamento das Instituições Federais do Ensino Superior.
O corte teve impacto importante na Universidade, que hoje tem alguns de seus serviços parcialmente suspensos devido à resultante greve dos servidores. Uma paralisação de docentes também pode acontecer. O indicativo foi marcado pela Associação dos Docentes da UnB (ADUnB) para a próxima quarta-feira, dia 17.
UNIVERSIDADE E MASSIFICAÇÃO
Charle foi apresentado pelo professor Carlos Benedito (DE ONDE?), que valorizou o currículo do pesquisador francês e reconheceu a importância de suas publicações.
O docente francês agradeceu pelo convite a falar à Universidade de Brasília e afirmou que, para ele, esta é “uma universidade moderna e original, não somente em sua arquitetura”. O historiador refletiu acerca do papel histórico das universidades e como estas sofreram mudanças ao longo do recente processo de globalização.
Charle destaca dois processos de massificação do ensino ocorridos no século XX. O primeiro emergiu nas universidades europeias, nas décadas de 1960, e ocorreu em economias já consolidadas a uma taxa de desenvolvimento “sólida, porém não exponencial”, segundo Charle.
Já o segundo processo foi global, ocorrendo somente em 1980 e ocorreu a uma taxa expressiva nos países em desenvolvimento. Segundo Charle, o segundo movimento foi mais intenso, pois serviu para compensar os atrasos dos países periféricos.
Tamanha aceleração gerou aumentos de estudantes, logo, cresce também o orçamento das universidades. Assim as instituições de ensino têm de buscar recursos em diversas fontes para manter seu pleno funcionamento.
Grande parte dos países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) adota o modelo de financiamento público, onde o governo arca com a maioria dos gastos com a educação. Como exemplo do modelo neoliberal, no entanto, tem-se Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia cujas instituições de ensino superior têm grande financiamento do setor privado.
ESCOLHAS POLÍTICAS
Segundo Charle, ao longo dos últimos trinta anos, em países onde o modelo de financiamento privado é adotado, os gastos universitários foram os que mais aumentaram, quando comparados com outros gastos como saúde, alimentação, ou habitação. No “modelo anglo-saxônico”, por exemplo, o financiamento público girava em torno de 74,5% em 1978 e 20 anos mais tarde correspondia a 55,6% do total das finanças.
Enquanto o aporte financeiro público diminuía, a quantia cobrada dos estudantes apenas aumentava. Entre 1981 e 1998 o aumento das taxas de admissão nos países que adotaram este modelo foi da ordem de 224%.
Neste modelo o custeio da educação é terciário, uma participação entre governo, setor privado e o estudante beneficiário. Então o saldo final das experiências neoliberais universitárias, segundo Charle, foi o progressivo endividamento dos estudantes. “Esse sistema agrava e amplia as desigualdades presentes na sociedade”, aponta o historiador francês.
Ainda segundo Charle, nos ambientes universitários surgiu uma forma de “neoliberalismo acadêmico” que atesta ser necessária a competição entre institutos, de modo que os vários departamentos dessas instituições de ensino findam rivalizando uns com os outros em busca de um maior financiamento. Nestes âmbitos, a disputa teria origem na distribuição desigual de recursos para cada departamento. E, conforme a lógica deste modelo, a reputação de uma instituição é fator importante para determinar seu sucesso na captação de recursos privados. Portanto a competitividade seria um estímulo para o desenvolvimento geral da universidade.
Ao fim de sua fala, Christophe Charle defendeu que “é preciso tirar lições do fracasso do sistema neoliberal” e que tal modelo não é universal, visto que no Brasil a experiência é mista entre pública e privada.
Charle criticou também a forma como os governos determinam quanto de seus recursos públicos serão destinados à Educação e concluiu: “Os estudos são um custo para a filosofia neoliberal. Para mim a Educação não deve ser considerada como tal, mas sim um investimento”.
O reitor Ivan Camargo finalizou a Sessão Pública destacando que o debate veio em boa hora e lembrou ainda notícia recente publicada que destacava o crescimento da UnB em um ranking internacional de universidades da América Latina e como isso é positivo para a reputação da Universidade e para facilitar na captação de recursos.
Perguntado sobre o que a UnB vem fazendo para se reinventar nos tempos atuais, o decano Jaime Santana afirmou “os projetos de pesquisa não podem parar. Entretanto o Estado não pode financiar tudo. Temos que buscar uma harmonização entre os modelos neoliberal e público. Assim o Estado também mantém as suas responsabilidades”.
A UnB tem buscado contornar sua situação financeira atual e Santana citou viagem do reitor Ivan Camargo a Paris nesta semana, onde se reúne com representantes de duas universidades francesas e executivos da empresa aérea Airbus a fim de realizar um acordo de cooperação.