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O professor Evando Mirra foi o convidado da 7ª sessão da Comissão UnB.Futuro em 2014, realizada na última segunda-feira (8). Em sua exposição o pesquisador fez uma prospecção para a universidade do futuro, com base na história de desenvolvimento da educação superior no mundo.

Membro da Academia Brasileira de Ciências, Mirra é professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde também atuou como pró-reitor de pesquisa e vice-reitor e foi presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Veja a apresentação utilizada por Evando Mirra durante a conferência.

Para ele, discutir o futuro da universidade não envolve fazer previsões, mas sim prospecções: “ter um olhar atento sobre o presente e entendimento do passado para a construção do futuro”. Segundo Mirra, nesse processo é importante compreender como chegamos até aqui e trabalhar no planejamento de ações futuras, um exercício que deve ser praticado coletivamente e de maneira pró-ativa.

O desenvolvimento do Ensino, da Pesquisa e da Extensão

Em sua palestra “A universidade e a produção científica associada à formação de pessoal: uma visão futurista”, Mirra se remeteu ao surgimento da universidade, no século XII, quando a instituição funcionava por meio de uma associação entre mestres e alunos. Desde aquela época já havia a visão de que o Ensino Acadêmico não se dava apenas por uma transmissão de saberes, mas pela inserção de uma visão crítica sobre as questões apresentadas em sala de aula.

Três práticas marcaram os primeiros anos da educação superior e ainda são aplicadas: 1) Lectio, momento no qual o mestre fazia uma leitura comentada das obras, colocando algumas problemáticas; 2) Disputatio, quando era realizado um debate onde eram expostas as distintas visões sobre as questões; e 3) Conclusio, parte em que o mestre colocava sua visão pessoal sobre o assunto.

No que se refere à Pesquisa, Evando Mirra se remeteu à criação da Universidade Humboldt de Berlim, em 1810, onde se deu pela primeira vez o projeto de estruturar a academia de forma a aliar o ensino com a prática de pesquisa. Nessa visão, o aprendizado era associado à formação de uma postura de permanente autoconstrução. Assim, instaurava-se uma atmosfera que permitia maior reflexão e transformava o ensino acadêmico por meio de maior intimidade com o objeto proporcionando uma postura mais ativa dos pesquisadores.

Para os idealizadores da Universidade Humboldt de Berlim era necessário que o pesquisador vivesse numa “Torre de Marfim”, protegido de influências do mundo externo e trabalhando na solidão e no isolamento. Nesse ponto, a Universidade se transformou consideravelmente nos últimos anos e, nas palavras de Mirra, “se revitalizou nas suas metamorfoses”. Uma instituição que era extremamente elitizada se tornou mais aberta e acessível, se aproximando e trocando conhecimentos com a sociedade em geral.

É nesse contexto de metamorfose que surge a Extensão, cujos primeiros indícios foram notados na Universidade de Cambridge, em 1871, e depois se espalhou para outros países. Essa noção dava conta de que a Universidade não deve permanecer indiferente à realidade que a cerca. Essa aproximação contribui para que o alcance do Ensino e da Pesquisa seja ampliado e para que haja uma maior difusão do conhecimento produzido nas universidades.

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A Universidade do século XXI

Falando de futuro, Evando Mirra assinalou que o caminho para a Universidade do século XXI deve ser construído de maneira coletiva e com diferentes visões. Para isso, é necessário considerar alguns aspectos: a) a democratização do conhecimento, abarcando diferentes públicos; b) a integração com a indústria, com a troca de saberes e estimulo da produção qualificada; c) a mobilidade global, num mundo onde isso se torna cada vez mais possível; e d) a contestação dos mercados e a evolução das formas de financiamento.

Para o professor, essas questões tornam-se ainda mais relevantes se levarmos em conta a expansão do ensino superior, que se vê cada vez mais acentuada. De acordo com os dados apresentados por Mirra, em dez anos (2000-2010) o acesso ao ensino superior entre jovens de 18 a 22 anos aumentou de 75% para 80% nos 34 países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esse número passou de 22,6% para 40,5% na América Latina. No Brasil, estima-se que, em 2013, mais de 7 milhões de universitários estivessem matriculados em universidades de todo o país, de acordo com o último Censo da Educação divulgado pelo Ministério da Educação (MEC).

Nesse contexto de expansão, segundo Evando Mirra, é necessário pensar em estratégias de criação de ambientes que propiciem a formação de estudantes mais pró-ativos, com uma postura participativa. É também importante, na visão do pesquisador, que se exercite uma visão sistêmica em que os pesquisadores sejam especialistas em uma área, mas ao mesmo tempo saibam contextualizá-la em outros campos do saber. Deve-se também levar em conta os valores que se apresentam à sociedade, como a questão ambiental e a promoção da diversidade e dos direitos humanos.

No modelo contemporâneo de Universidade, o tripé “Ensino, Pesquisa e Extensão” vem sofrendo várias mudanças institucionais. Observa-se uma pesquisa cada vez mais voltada para o contexto da solução de problemas, com múltiplos atores que aportam uma heterogeneidade essencial e que agrega diversos grupos sociais. Além disso, nota-se uma maior propensão para o estudo interdisciplinar, já que cada vez mais problemas específicos são lidados por pesquisadores de diferentes áreas.

Nesse contexto, a Universidade acaba respondendo às pressões da sociedade sem perder sua excelência, de forma que o mundo externo propõe alternativas para que a instituição se renove. O incremento das novas tecnologias também tem contribuído para uma inovação com responsabilidade social.

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O contexto brasileiro

Segundo Mirra, a Universidade brasileira evoluiu significativamente. Apesar de ser uma instituição relativamente nova se comparada a experiências criadas em outros lugares, o país ainda tem construído seu modelo de ensino superior e isso tem pontos positivos e negativos. Como desvantagem, há o fato de que não temos um ambiente muito acolhedor, uma vez que criar um ambiente verdadeiramente acadêmico é um trabalho de gerações. O lado vantajoso está ligado ao fato de que temos maior liberdade para experimentar e não temos que lutar contra a tradição, como ocorre em lugares onde essa instituição já se estabeleceu há muitos séculos.

Debate

O espaço para debate durante a sessão rendeu uma série de questões levantadas por professores e especialistas de várias áreas. As perguntas e comentários complementaram os argumentos apresentados pelo conferencista. O jornalista especialista em divulgação científica José Monserrat Filho, por exemplo, levantou a questão da interferência das religiões, especialmente das evangélicas, no ambiente acadêmico. De acordo com Mirra, já convivemos com esse dilema há muito tempo e é um problema com o qual teremos que lidar e que esse é um grande desafio das instituições de ensino superior.

O reitor da UnB, Ivan Camargo, colocou sua preocupação a respeito do financiamento da universidade pública brasileira. Quanto a essa questão, Evando Mirra afirmou que é necessário que se diversifiquem os modelos, levando em conta o contexto específico de cada instituição. Para ele, “é insustentável replicar um modelo só em todas as universidades” e é preciso renegociar as formas de expansão para evitar o sucateamento das instituições.

Aldo Paviani, professor Emérito do Departamento de Geografia da UnB, questionou sobre as perspectivas para que as pesquisas realizadas na universidade possam realmente gerar soluções levadas em conta pelos governantes e políticos do país. Mirra ressaltou que é preciso que as universidades criem mecanismos estratégicos de persuasão desses gestores. Para ele, “precisamos entregar o produto nas mãos certas”.

O Decano de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB, Jaime Santana, tocou no ponto da insegurança jurídica por que passam as instituições públicas de ensino superior no Brasil. Para Mirra, a insegurança jurídica é um aspecto que também permeia a universidade brasileira. Isso porque, além de termos uma legislação frágil, a interpretação das leis em muitos casos não beneficia o bom desenvolvimento das instituições. Nas palavras dele, “científica e tecnologicamente estamos mais avançados do que legalmente, apesar disso, poderíamos fazer muito mais com a legislação que temos atualmente”.

Ricardo Neder, coordenador do Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América Latina (OBMTS) e professor da Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, questionou a respeito das formas de se integrar ciência, tecnologia e sociedade de maneira criativa e multidisciplinar. Na visão de Evando Mirra, no ambiente em que vivemos há grande possibilidade de diálogo entre as universidades por meio de iniciativas criativas. As experiências que vêm ocorrendo nesse sentido, segundo ele, têm buscado integrar instituições de ensino com diferentes especialidades para um intercâmbio de conhecimento mais efetivo e aprofundado. Segundo ele, é preciso se inspirar nessas iniciativas e criar estratégias mais acolhedoras.

O professor emérito Antônio Teixeira, da Faculdade de Medicina, comentou a importância de se discutir a evolução da qualidade das pesquisas particularmente nos países em desenvolvimento. Para ele, só conseguiremos atingir maiores patamares a partir de iniciativas criativas dentro das instituições.

Geniberto Campos, ex-professor da Faculdade de Ciências da Saúde, destacou o salto qualitativo da produção científica brasileira nos últimos anos, o que gerou um impacto interno – na metodologia de ensino tanto das universidades como nos ensinos médio e básico – e outro externo, com a influência sobre o desenvolvimento tecnológico, por exemplo. Segundo ele, esse segundo impacto ficou mais limitado pelo fato da universidade não saber dialogar de maneira efetiva com as empresas produtoras de tecnologia, e que a produção exterior muitas vezes possuem mais impacto sobre a universidade do que o contrário.

Sonia Nair Báo, vice-reitora da UnB, destacou que a pós-graduação foi responsável pela melhora na qualidade dos cursos de graduação e é dever desta, por meio da formação de professores, auxiliar na melhoria da educação básica. Para Mirra, um dos papeis da universidade também deve ser desenvolver o ensino médio, pois existe nesse setor uma qualidade desigual. Por isso, é necessário mostrar aos alunos que dessa fase as possibilidades e integrá-los ao ensino superior, por meio de mecanismos distintos, como é o caso da iniciação científica no segundo grau. 

Com sua prospecção sobre o futuro da Universidade, Evando Mirra deixou a mensagem de que é possível construirmos um ensino superior de maior qualidade, mas para isso é necessário trabalharmos de forma coletiva e não podemos esperar passivamente as coisas acontecerem. Para ele, experiências como a da Comissão UnB.Futuro inspiram esse tipo de comportamento inovador.


Zapping - UnBTV

Na quarta Sessão Pública da comissão UnB.Futuro Eric Rabkin discutiu as perspectivas da educação para o futuro. Veja a matéria produzida pela UnBTV sobre o evento.

Coordenação:

Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação (DPP),  em parceria com o Núcleo do Futuro (n.Futuros/CEAM)

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