"Validação do conhecimento do aluno e não apenas a sua frequência às aulas deve ser objetivo da escola"
Há algum tempo li, em um jornal do Rio de Janeiro, que o Ministério Público estava processando uma Escola de Niterói por ter aprovado um Aluno que havia passado em seus exames, mas não tinha tido a frequência de aulas exigida por lei.
Numa época em que o conhecimento está sempre disponível na internet e o Aluno pode acessá-lo a qualquer momento, pensar-se na obrigatoriedade de frequência em aulas expositivas e sem permitir a interatividade dos Alunos é, no mínimo, anacrônico.
Ocorre que o sistema educacional está centrado no Ensino e, portanto, no Professor, e não no aprendizado e, portanto, no Aluno. O enfoque no Ensino é, de regra, socialmente irresponsável, porque o Professor acha que sua responsabilidade é ensinar, dar a matéria, e não assegurar o aprendizado de seus Alunos!
Centrado no Professor, insiste-se num curso igual para todos, define-se um número exigido de horas-aula, num só formato de apresentação do conhecimento (a aula do Docente), na ausência de participação efetiva do Aluno, agente passivo de todo o processo.
Por isso mesmo, Foucault dizia que as Escolas emulam um convento, ou uma prisão, Ken Robinson diz que a Escola mata a criatividade dos Alunos, Dan Tapscott refere o anacronismo do que chamou de "one size broadcast teaching" e Raphael Lucchesi diz que o sistema educacional tem Escolas do século XIX, Professores do século XX, mas Alunos do século XXI!
Meus netos de 3 anos brincam, os de 7 anos leem e os de 12 pesquisam num "tablet". Como esperar que fiquem sentados quietos e "disciplinados" numa sala de aula, ouvindo passivamente conteúdos que podem achar facilmente, mais atualizados e muitas vezes de melhor qualidade, na internet?
A velocidade da mudança é uma característica da sociedade atual, e o acesso rápido, amplo e atualizado à informação a qualquer momento e em qualquer lugar, por qualquer um, por meio da internet, é um apanágio dessa sociedade. Caberá ao Professor transformar essa informação em conhecimento, fazendo o Aluno pensar, avaliar, sintetizar e discernir o valor dessa informação para seu projeto de vida, inserido na sua época e no seu contexto social.
O advento dos "moocs" (massive on-line open courses), oferecendo por meio de uma plêiade de universidades de todo o mundo, num movimento iniciado em Stanford, Harvard e MIT, centenas de cursos a distância, livres e gratuitos a qualquer um, a qualquer momento e em qualquer lugar, (um desses "moocs", o "Coursera", oferece hoje 596 cursos para mais de 6 milhões de Alunos em todo o mundo) vem se chocar com uma Escola que cobra a frequência dos Alunos em cursos muitas vezes aborrecidos e não se preocupa com o que o Aluno está interessado e querendo aprender. Os Alunos buscam sobreviver às avaliações feitas ao final dos cursos e seguir adiante no seu intuito de obter uma certificação educacional.
Mas ocorre que os Alunos aprendem de acordo com sua aptidão e sua motivação.
A aptidão foi definida, há muitos anos, por Carrol como sendo 1/T, ou seja, a aptidão corresponde ao inverso do tempo que o Aluno necessitaria para aprender uma matéria. Assim, se ele tiver boa aptidão para essa matéria aprenderá mais rápido e se tiver menor aptidão exigirá mais tempo para aprendê-la, indicando que os Alunos aprendem em tempos variáveis. Mas a Escola define que todos têm que aprender num mesmo tempo, caracterizando o que se poderia chamar como "a ditadura da média", o que produziria resultados variáveis no aprendizado dos Alunos. E isso é aceito normalmente pela Escola!
Por outro lado, o Aluno aprende de acordo com sua motivação. Lilian Katz definiu dois tipos de motivação: imediata, ou o que chamou de "just in time", ou relevância horizontal, quando o Aluno percebe que o que está aprendendo é importante para seu projeto de vida, e tardia, ou "just in case", ou relevância vertical, quando admite que o que está aprendendo poderá ser importante para seu futuro como cidadão.
Por isso mesmo, aptidão e motivação variam entre os Alunos e devem ser entendidas e aceitas quando se quiser centrar o sistema educacional no Aluno, e não mais apenas no Professor, aceitando deste modo a responsabilidade social do processo educacional.
Os "moocs" com seus cursos a distância, livres e gratuitos, oferecem essa oportunidade de se aprender quando se quiser, aonde se quiser, quantas vezes quiser e, muito importante, o que se quiser. Redes colaborativas que se criam entre Alunos permitem enriquecer ainda mais o seu aprendizado, pela troca de experiências, críticas às oportunidades oferecidas, propostas de novos recursos instrucionais. A avaliação formativa oferecida aos Alunos dará aos mesmos uma segurança no seu progresso nos cursos auto-instrucionais que escolheu.
A Fundação Lemman já oferece no Brasil cursos a distância, de acesso livre e gratuito, em convênio com a "Khan Academy", cobrindo matérias do curso secundário (matemática, física, química e biologia). Convênio com o "Coursera" está permitindo traduzir e oferecer inicialmente cursos (pensamento matemático e estratégia de negócios), mais populares entre os estudantes do Brasil (brasileiros estão entre os que mais buscam cursos no "coursera", ainda que os mesmos sejam apresentados em inglês).
Qual deverá ser então o papel das universidades? Oferecer cursos modulares e de acesso livre (Humboldt já propunha isso em 1808 ao criar a Universidade de Berlim), validar conhecimentos, oferecer novas oportunidades de aprendizagem, sistematizar os saberes e as habilidades necessárias a outorgar uma licença profissional, além de, obviamente, pesquisar e desenvolver novos conhecimentos.
A validação do conhecimento adquirido pelo Aluno de várias formas e não mais apenas verificar a sua frequência em salas de aula deverá ser o objetivo do sistema educacional se se quiser ajustar a Escola aos Alunos do século XXI.
Luiz Carlos Lobo, Professor aposentado da UFRJ, é Professor "Honoris-Causa" da UnB, consultor da UNA-SUS (Fiocruz-MS)
> Artigo publicado originalmente em Valor Econômico