O ensino superior constitui um ator crucial nas sociedades contemporâneas, devido às complexas relações que mantém com o processo de desenvolvimento econômico, com demandas de formação de profissionais qualificados e com as crescentes expectativas de democratização de oportunidades educacionais e sociais. Em várias partes do mundo, governos nacionais têm desenvolvido reformas nos seus sistemas universitários visando transformá-los em um ator estratégico no processo de produção científica e de inovação tecnológica. No continente europeu constata-se uma série de iniciativas em vários países, norteados pela Comissão Europeia, objetivando aumentar a competitividade de suas universidades no contexto da globalização.
A tradicional universidade alemã concebida por Humbolt em 1810 – que ao longo do tempo tem permanecido como um sistema público – também vem realizando uma série de mudanças no seu interior. Entre elas destacam-se: (i) crescente autonomia de gestão diante da regulação estatal; (ii) publicização do cumprimento de metas institucionais propostas; (iii) ênfase na pesquisa científica e sua articulação com inovação tecnológica; (iv) tratamento diferenciado por parte do Estado para as instituições em função dos níveis de qualidade acadêmica; (v) avaliação de desempenho acadêmico enquanto critério na distribuição de fundos governamentais; (v) gradativa diferenciação salarial do corpo docente em função de resultados das atividades de ensino e pesquisa; (vi) expressivo aumento da absorção de estudantes estrangeiros, como estratégia de internacionalização;(vi) utilização recorrente da língua inglesa nas atividades acadêmicas.
A partir da década de 1960, a universidade alemã absorveu um número expressivo de estudantes com um quadro docente insuficiente. Além do processo de massificação, a universidade alemã foi enfraquecida pela auto-concepção de que era uma instituição homogênea, ou seja, deveria possuir uma mesma estrutura acadêmica e dispor de uma carreira docente similar no país, independente de sua localização geográfica. Em função deste cenário, por volta de 1980, o número de estudantes estrangeiros declinou significativamente e as universidades alemãs deixaram de competir com as melhores instituições do mundo.
Diante dessa situação, em 2004 o governo federal alterou a rota de funcionamento do ensino superior alemão. O tratamento igualitário que prevalecia até então na relação do governo com as instituições foi substituído por uma política que passou a incrementar as melhores instituições que realizam pesquisa e que possuem formação doutoral de elevado padrão. Em 2005, foi lançado o Programa Exzellenzianitiative (Excelência Iniciativa) com o propósito de apoiar medidas inovadoras no ensino superior, contando com 1,9 bilhões de euros provenientes de recursos do governos federal e estaduais.
Esse programa incentiva a disputa pelos fundos financeiros por parte das instituições que oferecem programas de doutoramento, por grupos de pesquisa interdisciplinar e por projetos institucionais que propõem realizar transformações relevantes no interior da universidade com o intuito de impulsionar a competição alemã no mercado global de ensino superior. A competição pelos recursos disponibilizados pelo programa é extremamente disputado e os projetos apresentados são julgados por renomados cientistas estrangeiros. Esse programa possui o claro objetivo de criar um número restrito de universidades alemãs como world-class university, ou seja, universidade de padrão acadêmico mundial e ocupar posições de destaque nos rankings internacionais, especialmente o criado pela Universidade de Shangai.
O conhecimento de mudanças que estão ocorrendo no ensino superior na Alemanha e em outros países e continentes - impulsionados pelo processo de globalização econômica, cultural e científica - devem nos estimular a desnaturalizar o funcionamento do ensino público no país, destacadamente o das universidades federais, e (re)pensar criticamente a sua estrutura.
Embora o Brasil possua universidades de alta qualidade acadêmica, elas ocupam posições bastante modestas nas avaliações internacionais. Caso tenhamos a ambição de ocupar posição de destaque no ensino superior internacional, torna-se necessário desenvolver políticas específicas para determinadas instituições que tenham o potencial acadêmico para constituirem-se como universidades de padrão de excelência mundial, nas quais a pesquisa ocupa uma posição preponderante. Para tanto, é fundamental desatar os nós asfixiantes do centralismo burocrático estatal, implementar autonomia institucional, incrementar o recrutamento de professores e estudantes estrangeiros e analisar criticamente a pertinência de um paradigma isonômico que encontra-se presente em várias dimensões das universidades federais.
Carlos Benedito Martins é professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), doutor em Sociologia pela Universidade de Paris-V. Foi Visiting Scholar da Universidade de Columbia.
> Artigo publicado originalmente na Agência UnB.