As universidades contemporâneas se caracterizam por exercer múltiplas funções, todas fundamentais para o desenvolvimento econômico e social sustentável dos locais em que se encontram, seja uma cidade, estado ou país. A primeira função reconhecida por todos é a de formar, em diferentes níveis, pessoal qualificado, nas mais variadas áreas do conhecimento. O êxito profissional dos egressos de uma universidade é fator importante à consolidação de sua imagem positiva junto à sociedade.

A segunda função, ainda que exercida de forma adequada por poucas, é a de constituir um centro de geração de novas ideias e conhecimento, fruto da intensa experimentação, discussão e reflexão que devem ser permanentes e realizadas nas melhores condições possíveis, inclusive incluindo parte significativa do seu corpo discente nestas atividades. A terceira função é a de interagir permanentemente com a sociedade em diferentes níveis, desde a divulgação de suas ideias até assessorando instituições públicas e privadas nas mais diferentes áreas, onde o fator conhecimento e capacidade de criação sejam importantes. Poderíamos agregar outras funções, que de maneira crescente vêm sendo demandadas às universidades. No entanto, de alguma maneira, elas estão vinculadas às três missões básicas (ensino, pesquisa e extensão) mencionadas acima.

É justamente pela importância das universidades que elas se disseminaram pelo mundo e nelas se investem recursos significativos, tanto do setor pblico como do privado. Todos esperam que o investimento feito gere retorno claro para a sociedade, e é por este motivo que várias instituições no mundo vêm se dedicando a avaliar seus desempenhos, usando critérios ligeiramente diferentes, mas quase sempre procurando analisar em profundidade a excelência e o impacto da sua produção acadêmica. Muitos rankings internacionais foram publicados nos últimos anos, e todos eles mostraram um conjunto monótono de instituições ocupando as vinte primeiras posições no mundo. Um ranking publicado há cerca de um mês pela Times Higher Education, uma das mais prestigiosas instituições especializadas em avaliação universitária, apontou as cem universidades de melhor desempenho acadêmico localizadas nos cinco países que compõem o bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) bem como outros países emergentes do ponto de vista econômico, localizados na Ásia, África, América Latina e Europa Oriental. Os resultados tiveram grande repercussão no mundo acadêmico e governamental brasileiro. Alguns, eufóricos, como a indicar a pujança da universidade brasileira. Outros, que aparentemente não gostaram dos resultados apresentados, procuraram desqualificar a análise feita, inclusive usando como um dos argumentos para explicar o resultado o fato de que não temos tradição de falar inglês, o que prejudicaria o resultado final. Prefiro fazer uma análise fria dos dados e, ao fazê-lo, me parece claro que a situação do Brasil é mesmo inapelavelmente ruim, aliás, acompanhando o que vem ocorrendo com outros níveis da educação no Brasil.

Inicialmente, cabe ressaltar que entre as cem instituições apontadas como de excelência nas regiões indicadas acima, 44 estão localizadas no eixo China-Taiwan, 10 na Índia, sete na Turquia, cinco na Tailândia e África do Sul e, só então, surge o Brasil, na sexta posição, com quatro universidades (USP, UNICAMP, UFRJ e UNESP), sendo que nenhuma se encontra entre as dez primeiras (as universidades brasileiras ocuparam a 11a, 24a, 60a e 87a posições, respectivamente). Alguns resultados merecem um destaque especial. Primeiro, a posição quase que hegemônica do mundo chinês, representados pela China e Taiwan, ocupando cinco entre as dez primeiras posições, avanço extraordinário obtido nos últimos dez anos graças ao fato de que eles trabalham com foco, estabelecem metas de produtividade e de qualidade e procuram cumpri-las. Segundo, o excelente desempenho da emergente Turquia, emplacando sete universidades, sendo três entre as dez primeiras, derrubando a incrível explicação de alguns setores, de que o resultado brasileiro decorre da nossa falta de tradição com a língua inglesa, como se isso tivesse influência marcante no império otomano. Cabe destacar que nos últimos vinte anos a produção científica da Turquia passou da 40a posição para a 18a no mundo, enquanto a brasileira passou de 27a para a 14a posição. A cada ano, a Turquia se aproxima mais do Brasil, apresentando índice anual de crescimento maior do que o nosso, sobretudo nestes últimos três anos onde a taxa de crescimento da ciência brasileira vem diminuindo como consequência clara do menor investimento do governo federal em Ciência e Tecnologia. Terceiro, a colocação alcançada pela Universidade de Cape Town, posicionando-se entre as melhores dos países analisados. Quarto, o vexame dado pelas instituições universitárias da Rússia.

Como explicar os resultados indicados acima? A vivência na universidade brasileira ao longo de quarenta anos me permite afirmar que o resultado medíocre alcançado não é devido à falta de recursos. Sobretudo, é falta de uma política que priorize, essencialmente, os valores acadêmicos (competência, mérito, dedicação, entre outros), com uma gestão profissional com metas muito bem definidas. É com tristeza que constato que dificilmente reverteremos o quadro de declínio se não tivermos (comunidade acadêmica e governo) a coragem de mudar os mecanismos utilizados para a escolha dos dirigentes universitários, instituindo, por exemplo, o processo de "comitês de busca, utilizados com sucesso para escolha de dirigentes de institutos do Ministério de Ciência e Tecnologia. Em uma fase inicial este processo seria aplicado a um grupo selecionado de universidades que concorde em participar de um programa especial de fortalecimento institucional, estabelecendo uma espécie de "contrato de gestão" com o MEC. Voltarei a este tema em outro artigo.

* Wanderley de Souza, professor titular da UFRJ, é membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.


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