Em evento organizado pela Comissão UnB.Futuro, médico, ex-ministro da Saúde e professor falou a plateia composta por alunos, docentes e convidados.
"O futuro não é uma abstração, é o resultado da reflexão sobre o que se fez no passado juntamente com as decisões que tomamos hoje". Foi nesse tom simples e objetivo, com a sapiência que somente décadas de dedicação profissional podem proporcionar, que o professor e médico Adib Jatene falou a um auditório lotado na tarde desta quinta-feira (29), na Faculdade de Ciências da Saúde (FS).
Estudantes, professores e convidados de diversas áreas se reuniram para ouvir o homem que conhece a fundo a história e o contexto da saúde pública no Brasil. "Jatene é um dos mais importantes humanistas que o país já possuiu", afirmou o decano de Pesquisa e Pós-Graduação, Jaime Santana. O evento era ao mesmo tempo a quarta sessão pública da Comissão UnB.Futuro e a Aula Magna de abertura do segundo semestre das faculdades de Medicina e de Saúde.
A partir do tema A universidade e o futuro da Medicina, Adib Jatene fez uso de uma concisa série de dados para revisar a história da Medicina no Brasil, num paralelo com o sistema público de saúde. O cardiologista e ex-ministro da Saúde pontuou falhas estruturais na distribuição das escolas de Medicina e no número de vagas nas diversas regiões do país e no aumento das faculdades particulares frente às públicas. "É nítida a ausência de critérios", declarou Jatene.
Segundo os dados apresentados pelo professor, o Brasil aplica mais recursos no sistema privado do que no sistema público de saúde, ao contrário do que acontece em países como a França, a Alemanha e a Inglaterra. Enquanto os gastos no setor privado estão na faixa de R$ 2,8 mil per capta, no público esta média está em R$ 793. "Ao contrário do setor privado, o sistema público de saúde não dispõe de recurso para se atualizar, para reinvestir", diagnosticou.
Outro ponto apontado por Jatene foi a dependência que a Medicina adquiriu da indústria, tanto em equipamentos quanto em medicamentos. "Hoje, nenhum congresso de Saúde é realizado sem o patrocínio de empresas do setor", observou.
O conferencista criticou a lógica estabelecida nos dias de hoje em que os alunos buscam somente a especialização e o trabalho altamente rentável no setor privado. "A Medicina não foi feita para o médico adquirir patrimônio ou posição social", advertiu. Jatene defendeu condições para o professor poder se dedicar exclusivamente ao ensino e um maior número de docentes generalistas. "A Medicina não pode mais ser ensinada como é, pois não consegue atender a população", sentenciou.
Adib Jatene defendeu a participação das universidades no programa Mais Médicos do governo federal. "Cabe à universidade ajudar a resolver esse problema", declarou, reforçando a crítica ao excesso de especialização nas escolas de Medicina. "Antes de ser especialista em qualquer área, o médico tem que ser especialista em gente".
Ao ser perguntado sobre a revalidação dos diplomas obtidos no exterior, o palestrante não só defendeu a ação do governo como lançou uma provocação, defendendo a extensão do procedimento aos portadores de diploma obtidos no Brasil.
CPMF - Os participantes da sessão aberta da Comissão UnB.Futuro tiveram a oportunidade de ouvir diretamente da fonte os bastidores da história da criação da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras, a famosa CPMF. Diante de um orçamento federal totalmente comprometido e com quase nenhuma margem de manobra para destinação de mais recursos à Saúde, o então ministro Adib Jatene obteve do presidente Fernando Henrique Cardoso a permissão de mobilizar o Congresso Nacional para a aprovação da CPMF, sob a promessa de que se caso fosse exitoso, teria os recursos efetivamente destinados à sua pasta. "Ele deve ter concordado porque não acreditava que eu fosse realmente conseguir", brincou o ex-ministro da Saúde.
Pois Jatene conseguiu, e a taxa foi implementada e, como muitos haviam antecipado, os recursos não foram para a Saúde. O professor não hesitou em entregar o cargo. "Eu tinha dado minha palavra a todos de que os recursos seriam para a Saúde", justificou.
Quando indagado por um estudante de medicina sobre um conselho aos futuros médicos, Adib Jatene respondeu de imediato: "Persistir. Nem os outros são tão fortes nem você é tão fraco. Todos os grandes feitos foram obtidos com grande dificuldade e sempre houve alguém que persistiu. Não desista". Foi aplaudido de pé.