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O antropólogo Otávio Velho foi o conferencista da 8ª sessão da Comissão UnB.Futuro em 2014. Professor emérito da UFRJ e presidente de Honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Velho debateu diversas questões ligadas à Interdisciplinaridade e a Universidade com diversificado público presente no auditório da Reitoria da UnB.

Otávio Velho lançou no início de sua conferência uma pergunta para reflexão: “A interdisciplinaridade é sempre uma coisa boa?”. Segundo Otávio Velho, as variadas formas de se tratar a questão podem levar a resultados diferentes, já que “a interdisciplinaridade não é unívoca em seus efeitos”.

Para ele, o espaço de debates possibilitados pela Comissão UnB.Futuro são excelentes para o desenvolvimento desse tema. Segundo Velho, essas discussões não devem se restringir à academia e as universidades devem procurar se relacionar com outras instituições: “Este fórum já se tornou uma referência fundamental para debater o futuro da universidade e deve servir de exemplo inclusive para experiências de fora dela”.

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Para o pesquisador, “os cientistas sociais tendem a falar mais sobre interdisciplinaridade do que a praticá-la e os cientistas naturais tendem a praticar mais interdisciplinaridade do que falar sobre ela”. Essa certa resistência das Ciências Sociais estaria ligada a razões de legitimidade, já que ainda hoje há um jogo de poder entre as diferentes áreas que institui certa necessidade de afirmação dos campos.

Segundo o antropólogo, existem fortes razões para que a interdisciplinaridade se torne um movimento crescente das ciências. Isso quer dizer que no contexto em que vivemos não há como evitar o fenômeno de intercâmbio entre as diversas áreas do saber científico.

Citando o sociólogo Pablo González Casanova, Otávio Velho explicou o fenômeno em que houve uma migração em massa de pesquisadores para os Estados Unidos, entre os anos 1930 e 1940. Nessa época, a interdisciplinaridade começou a ganhar um sentido mais amplo, num movimento gerado não só no interior da universidade. A partir de então, na visão do antropólogo, a interdisciplinaridade passou a ganhar o status de mainstream, uma vez que se tornou um fenômeno cada vez mais comum nos processos acadêmicos.

Otávio Velho citou o trabalho de Marilyn Strathern para exemplificar experiências de conhecimento que são realizadas em rede. A antropóloga inglesa explica em seu artigo “Experimentos em interdisciplinaridade” o caso da Rede de Pesquisa Interdisciplinar da Universidade de Cambridge (em inglês, CUIRN – Cambridge University Interdisciplinary Research Network). A iniciativa funciona como um parque de estudos médicos que permite não só a interação entre diversos departamentos da universidade, mas também a participação de diversos setores da sociedade.

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Nesse contexto, segundo Velho, a noção de disciplina estaria deixada de lado para dar lugar a uma discussão mais ampla com os cidadãos: “o público estaria presente em todas as etapas da pesquisa, não só a posteriori”. Para ele, essa tendência deve se desenvolver cada vez mais, uma vez que há aí uma ruptura epistemológica na qual o conhecimento é entendido como “informação validada por uma visão crítica dos pesquisadores e dos consumidores”. Nesse sentido, a busca da participação da sociedade passaria a fazer parte do trabalho do pesquisador.

Segundo Otávio Velho, da mesma maneira que o público deve ser receptivo a essa transformação, também o devem ser as disciplinas umas com as outras: “A troca intangível de informações entre as redes seriam os resultados mais comuns da interdisciplinaridade”. Nesse contexto, comportamentos que expressassem certa arrogância e autoritarismo por parte de campos específicos não contribuiriam para o desenvolvimento dessas redes.

As plataformas do conhecimento seriam derivadas desse sistema, mas, segundo Otávio Velho, não necessariamente por uma influência desses parques de pesquisa. Nesse sentido, o governo brasileiro tem incentivado a criação de mecanismos de integração de investigações a partir do lançamento, em junho deste ano, do Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento (PNPC), que visa estimular o desenvolvimento de novas plataformas e a parceria entre empresas e instituições de pesquisa científica e tecnológica.

Para o antropólogo, a interdisciplinaridade não pode ser encarada como um bem absoluto: ela deve se tornar um campo de debate em negociação e não algo fechado. Para isso, é necessário que haja profundas transformações tanto nas Ciências Sociais como nas Naturais. Dessa maneira, a interdisciplinaridade poderia usufruir de suas “potencialidades libertárias”.

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A conferência de Otávio Velho foi acompanhada por representantes das mais diversas áreas: das Ciências Naturais às Sociais. O público contou com a presença de professores eméritos da UnB, como o antropólogo Roque Laraia, o urbanista José Carlos Coutinho, o especialista em Educação Jacques Velloso, o médico Maurício Gomes Pereira, o odontólogo Isaac Roitman e o assistente social Vicente Faleiros. Também estiveram presentes outros membros da Comissão UnB.Futuro, como a historiadora Adalgisa Vieira do Rosário e a socióloga Fernanda Sobral. Fizeram parte da sessão também membros da Administração da Universidade, como o reitor Ivan Camargo, professor do departamento de Engenharia Elétrica, e o Decano de Pesquisa e Pós-Graduação, o biólogo Jaime Santana.

Para Vicente Faleiros, na UnB tivemos uma história singular: “no início havia uma preocupação interdisciplinar (com os ideais de Darcy Ribeiro), depois passamos por uma grande fragmentação dos campos, e a partir dos anos 1980 vivemos a cultura de aglutinação, com a criação de núcleos interdisciplinares”. Faleiros chamou a atenção para esse movimento, ao que Otávio Velho argumentou que a interdisciplinaridade não é mais algo utópico, mas sim algo normal das ciências Esse processo exemplificaria como a universidade passou de uma noção ideal de interdisciplinaridade para uma naturalização do conceito.

Nesse sentido, as professoras Ana Maria Nogales, do Departamento de Estatística, e Fátima Makiuchi, do Instituto de Física, contaram um pouco da experiência do Centro de Estudos Avançados e Multidisciplinares da UnB (CEAM), que surgiu como tentativa de reunir estudos de diversas áreas, possibilitando a troca de conhecimentos entre os diversos campos.

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O professor Hartmut Günther, do Instituto de Psicologia, foi um dos que tocou no ponto das formas de institucionalização desses processos: “o que o CEPE (Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão) ou o DEG (Decanato de Ensino e Graduação) poderiam fazer para estimular a interdisciplinaridade?”. O pesquisador sugeriu que os estudantes possam ter cada vez mais espaço para cursar disciplinas de outras áreas e que essas possibilidades estejam previstas nos currículos dos diversos cursos da universidade.

Fernanda Sobral argumentou que as condições institucionais a que estamos submetidos oferecem alguns obstáculos, mas também alguns avanços à interdisciplinaridade. Segundo ela, teríamos um ensino prioritariamente disciplinar, uma estrutura departamental e as agências costumam fomentar editais temáticos. Mas, por outro lado, temos uma Pesquisa que tende cada vez mais para a interdisciplinaridade.

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Para Otávio Velho, um dos caminhos para dirimirmos algumas das dificuldades apontadas seria observar experiências realizadas no Brasil e em outros países, compartilhando as iniciativas existentes. Uma alternativa também seria fortalecer o diálogo com a sociedade, encarando o olhar do outro e entendendo a interdisciplinaridade como campo de aprendizado.


Zapping - UnBTV

Na quarta Sessão Pública da comissão UnB.Futuro Eric Rabkin discutiu as perspectivas da educação para o futuro. Veja a matéria produzida pela UnBTV sobre o evento.

Coordenação:

Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação (DPP),  em parceria com o Núcleo do Futuro (n.Futuros/CEAM)

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